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Gol aqui, gol acolá, erros da defesa e Bruno Ferrari marcando quatro gols; Fuinha foi o cara do Invictus, com três gols

Antônio Desenho dos Santos acordou no meio da madrugada pressentindo que já era a hora de arar o milharal. Quando percebeu que era 4h35 da matina, pôs o bule para ferver, enrolou o tabaco na última folha de seda que restava no maço e ponderou quanto tempo ainda restava para o sol nascer. Dos Santos detestava pensar. Dizia que a reflexão o deprimia. Quando refletia sobre questões humanas sentia-se egoísta e frustrado por não ter feito melhor uso da vida. Atormentado pelos próprios pensamentos, decidiu, naquele dia, iniciar o laboro mais cedo.
 
O clima era amistoso antes da bola rolar. Boa praça, Mão distribuía sorrisos fartos e apertos de mão frouxo. Zoio e Ragazzo trocaram polegares a fim de assegurar que em questão estava uma partida ordinária de bola. O juiz apitou e Mão iniciou as previsões que fariam de sua equipe vitoriosa:
 
 – Zóio, vamos chutar! O cara não é goleiro – gritou.
 
O cara é Derek. Derek Poletti. Improvisado na função de guardião, espremia os dedos em um misto de fé e temor; uma súplica para que seu voluntarismo não se misturasse a culpa. E para que Henrique chegasse logo.
 
Bruno Ferrari foi o primeiro a testá-lo. Recebeu na ponta direita e chutou à meia altura, rente a trave. Poletti estava nela para impedir o primeiro tento. Bruno insistiu. Roubou a bola no meio e abriu na esquerda com Rafa Paz, que bateu de primeira no mesmo canto. Derek cortou com os pés e Zóio chiou:
 
 – Cruzado, porra!
 
O Invictus tinha dificuldade em sair jogando e errava passes na linha defensiva. O Monstros aproveitou um desses erros para abrir o placar. Bruno rolou na esquerda para Desenho finalizar no canto. Derek chegou a desviar, mas não conseguiu evitar o previsível. Gol do Monstros: 1 a 0.
 
O sol levou uma hora e vinte e três minutos para aparecer. E quando isso aconteceu, Desenho dos Santos estava em pleno vapor. Só interrompeu as atividades ao avistar a pampa branca se aproximando da entrada do rancho. Dela desceu um menino, que depois de soltar a corda de sustentação da porteira, finalizou a pé o trajeto até o curral, onde, a sete metros dali, a pampa estacionara.

O Invictus reagiu. Ragazzo recebeu a bola na ponta esquerda. De modo poucas vezes antes visto, dominou a gorda incerto se ela era amiga ou inimiga. Até que veio Matheus e a rifou para a lateral. Brunão cobrou alto na área e Fuinha cabeceou em cima de Mão, que rebateu nos pés da formiga. Aí ele só teve o trabalho de empurrar pra rede e igualar o placar. Gol do Invictus: 1 a 1.
                                                            
Mais compacto, o Invictus equilibrou as ações. Teve a chance de virar com Ragazzo, após Bispo recuperar a bola no meio e abrir com Brunão na direita. O matador pedia na área. Brunão cruzou e a torre finalizou entre a marcação. O chute saiu mascado e a bola, à esquerda.
 
No contra-ataque, Diogo Carminati tabelou com Ferrari no ataque. A zaga branca voltou a falhar e a bola sobrou limpa para Ferrari chutar alto de fora da área e marcar o segundo do Monstros. Antes da rede balançar, Ragazzo pedia tempo ao árbitro para que o arqueiro de ofício assumisse seu posto. O professor deu sequência à jogada e validou o gol, o que despertou a ira do homem. Primeiro ele sugeriu ao professor uma visita ao capeta – o que, de prontidão, foi refutado por Marcelo, que julgou a proposta impertinente, apesar de assumir aversão a visitas, advertindo-o com o cartão amarelo. Não satisfeito, Ragazzo pediu ao árbitro que tomasse algo mais forte, fato que lhe rendeu o vermelho. Ele continuou a endossar o pedido fora do campo, de modo a torná-lo irrecusável:
 
 – Quero ver você expulsar cada um que te xinga. Não vai sobrar ninguém nesta porra!
 
Nisso, Brunão se intrometeu e mandou Ragazzo para o chuveiro. Contudo, a personalidade do best seller o impedia de obedecer ordens de terceiros. Sentou-se, então, ao lado da mesária e, finalmente, se calou para ouvir a consciência.
 
Silas Paz, primogênito e último herdeiro da família Marximelo, reza todas as manhãs na frente do espelho para que nasça um fiapo de pelo em sua bochecha. O garoto não vê a hora de virar homem, mas até que a natureza o faça, observava atendo a conversa da mãe com o empregado. Tentava decifrar o que ele dizia e conseguia, fora do contexto, compreender o significado de meia dúzia de palavras balbuciadas. Dona Lúcia Bomsemblante Melo também se esforçava para encurtar a conversa com o funcionário, pois consentira que estendê-la seria contraproducente. Enquanto ele formatava frases – que no ouvido de alguns soava como cantigas peruanas; no de outros não passava de pedaços desconexos de português sulista – ela acenava com a cabeça, como se estivesse de acordo com tudo o que o peão se empenhava em dizer. Um trecho da prosa, contudo, chamou a atenção do pequeno Silas: o convite que a mãe recebera para uma xícara de camomila na varanda, onde a vitrola de quatro cordas repousava sob o xaxim e a rede de três pontas era parafusada. Dona Lúcia esquivou-se da oferta e sacou o talão de cheque da bolsa. Dos Santos não entendeu a desfeita; deu as costas para a madame e iniciou a caminhada em direção à choupana, seguro de que a patroa o acompanharia. Porém, ao notar que ela não saíra do lugar, retornou. Recebeu em mãos o cheque assinado como reconhecimento do serviço mensal prestado. Agradeceu como de hábito, mas dessa vez foi ele quem refutou retomar a conversa, ciente de que o papo o levaria a uma realidade escorregadia, quase imaginária. Não contava, porém, com um presente inesperado.
 
Curiosamente, o Invictus melhorou com a saída do artilheiro. O time não se abateu e logo chegou ao empate. Tiago saiu jogando com Raito, que rolou na intermediária para a batida de Bispo. Gooooooooool do Invictus. Tudo igual: 2 a 2.
 
O time do técnico Leandro Dias aproveitou o embalo para virar. Bispo dominou no peito e chutou no canto esquerdo. Brunão a desviou de Mão e foi para o abraço. Gol do Invictus, agora na frente do placar: 3 a 2. 
 
O Monstros sentiu o golpe. A bola não chegava ao ataque e o Invictus veio pra cima. Derek, de volta à linha, iniciou a jogada na lateral direita. Marquinhos pediu na linha de fundo e cruzou para Fuinha, na área, só empurrar pra rede. Gooooooooooool do Invictus. É o quarto! É de Fuinha!
 
 
No final do primeiro tempo, o jogo ficou mais tenso. Bruno Ferrari pressionava o árbitro. Reclamação dos dois lados. Renan tocou para Brunão preparar o arremate de fora da área. Impedido pela zaga, Marcelo marcou falta no lance. Luiz Carlos, técnico monstro, chiou. Levou amarelo por reclamar. Mão trocou um dedo de prosa com o chefe, que a partir de então teria 25 minutos para reajustar o time.
 
Mesmo sabendo que o primeiro nome era Antônio e o sobrenome Santos, por uma razão qualquer que ela nunca depositou tempo para analisar, sempre que Dona Lúcia se via na condição de dirigir a palavra ao seu único funcionário – o que ela postergava até o limite da boa educação – ela o chamava de Mister Desenho. Certa vez o filho a indagou o porquê de “Mister”, no que ela se calou, embora continuou a adotar o tratamento na referência ao peão. Pois bem. Dona Lúcia explicou a Mister Desenho, com parcimônia e sensatez, que ele completara naquela data três décadas de serviços prestados. Razão pela qual ela o contemplaria com um dos 47 nelores dos quais dispunha. E foi além: tomada por um súbito altruísmo, deixaria a seu cargo a escolha do favorito. Para sua estupefação, entretanto, Mister Desenho agradeceu a generosidade, mas disse que ao passo de tantos anos ordenando vacas perdera o encanto pelo animal. Mas que, em contrapartida, aceitaria de bom grado a mula que fora atropelada há duas semanas e desde então mancava. Dona Lúcia dispensou formalidades contratuais e apertou a mão do empregado.   
 
O Monstros voltou estimulado pelo vozerio do arqueiro, que entre palmas e berros, acreditava no empate distante. Por influência de Bruno Ferrari, a previsão concretizou-se. Antes, porém, Rafa Paz arriscou cruzado da lateral direita. Passou perto. Era o início do que estava por vir: o rascunho do imprevisto. Rabiscado e imperfeito, mas original. Experimental, abusado. Virtudes inalcançáveis pelo planejamento. Tangíveis para os desprendidos – aqueles que têm a virtude de tocar o foda-se e agir. Agir mais do que pensar. Veio primeiro dos pés de Tony de Souza, que abriu com Bruno na ponta esquerda. O lenhador cáucaso cortou para fora e fuzilou no canto esquerdo alto para descontar. Goooooooool do Monstros! Comemorou em dobro no minuto seguinte. Henrique repôs a bola nos pés do matador, que colocou no canto direito do arqueiro para deixar tudo igual. 4 a 4!
 
Ao chegar na choupana naquela noite, Dos Santos comunicou a esposa o presente que ganhara da patroa, omitindo no relato a primeira oferta que recebera. Ele contou à amada que aquele era um dia especial, por isso tomaria canjica com cachaça recitando Hugo Pena e Xavantinho, e que adoraria se ela montasse com ele na mula no dia seguinte, caso a noite fosse curta.
 
O Invictus retomou a atenção e adiantou a marcação. Brunão finalizou no centro do gol. Mão defendeu. Tiago tentou de fora da área e falhou também. Raito chutou do meio de campo no canto direito. Tiago desviou de calcanhar e Mão, atento, pôs pra escanteio. Alçada na área, Fuinha, que vinha de trás, subiu entre a zaga e cabeceou para a rede. Gol do Invictus: 5 a 4!
 
E por pouco o Invictus não ampliou. Raito bateu, a zaga não afastou e Brunão ficou com ela. Pensou e bateu colocado. Ela subiu e saiu à direita do gol. Lamentou consigo mesmo. Mais ainda quando no contra-ataque o Monstros empatou. Marximelo fez a jogada na direita e cruzou na área para Carlos Barbosa, que se meteu entre dois zagueiros rivais para finalizar no centro do gol, debaixo das pernas de Henrique. 5 a 5!
 
Dona Zelma não aguentou a aflição de tanta reflexão sem resposta. O que lhe tirava o sono era compreender a razão da felicidade do marido. Certo era que tinha a ver com a mula. Mas, qual a serventia, afinal, de uma mula manca, que já não gozava da jovialidade e cuja crina não resolveria o problema de calvície do marido? O assunto veio à tona e a explicação dada a convenceu. Tratava-se de um animal da maior grandeza de espírito, cuja fidelidade o amparara nas atividades mais árduas no campo. Agora o homem de poucas palavras, sempre reticente em abrir a boca e desagradar os demais pela forma com que atropelava as frases, desandara a falar sobre a mula, o que ao fim de três semanas provocou estranheza à mulher. A obsessão pelo animal era tanta que já não se podia tomar café sem antes estar a par de quantas viagens ininterruptas o equino fazia carregando nove quilos de feno sem reclamar. Cada ida ao banho era acompanhada de informações morfológicas da espécie. Há sete dias Antônio empenhava-se em provar, por meios biológicos, que a mula era um animal mais resistente que o burro, portanto mais evoluído, mesmo sem estar ao certo da real diferença entre eles. Certa vez, a mulher mencionou a palavra “cavalo” e foi prontamente repreendida pelo marido, que afirmou com todas as letras não ser possível comparar este animal, cujo nome se recusara a mencionar, com a mula. Deste dia em diante, sempre que Dona Zelma se recolhia ao lado do marido na cama, admirava os desenhos da mula fixados ao teto. Dona Zelma nunca externou o diagnóstico, apesar de não prover de raciocínios médicos para tal, de que o marido deixara de zelar pela sanidade. Nunca. Pelo contrário. Ele estava feliz; ela também.
 
 
 A saga caminhava-se para o desfecho. O relógio corria e era hora de definir o jogo. Foi nesta hora que Carlos Barbosa apareceu. Moacyr errou passe para Marquinhos na defesa. Barbosa roubou e tocou para Bruno Ferrari mandar para a rede. Virada do Monstros! 6 a 5.
 
A zaga branca atrapalhou-se novamente. Marquinhos chiou, mas era tarde demais. Livre, Barbosa bateu colocado no canto direito e correu para a galera. 7 x 5.
 
A vitória parecia encaminhada, mas o Invictus não desistiu. Fuinha quase diminuiu. Bispo cobrou o lateral e o craque pegou de primeira. A bola tinha endereço: o cantinho direito. Mão não chegaria, mas, para sua sorte, ela saiu rente a trave. No último minuto, o Monstros liquidou a fatura. Bruno tocou na lateral direita para Rafa Paz, que cruzou rasteiro para Barbosa na área. Lá, o matador fez a festa. 8 x 5 e apito final.
 
No jogo em que os times se alternaram na frente do placar, o Monstros aproveitou os momentos cruciais na reta final para garantir o resultado. Venceu porque foi mais eficiente e porque converteu as falhas do adversário em gols. Esta é a opinião de Fuinha, autor de um hat-trick e melhor invicto em campo: “Perdemos duas ou três bolas ali no meio, o que não pode acontecer. No final, cansamos”, lamentou.
 
Melhor homem em campo, o humilde lenhador apaixonado creditou o mérito da vitória à equipe. “Não teria feito nada sem eles”, atestou Ferrari.
 
O invicto Monstros encara na próxima rodada o Corleone, que também venceu, enquanto o Invictus terá de matar o Leões do Brás se quiser voltar a vencer.
 
Certo dia, o marido entrou em desterro ao notar o desaparecimento do animal. Dona Zelma tentou consolá-lo de muitas maneiras, até onde sua irracionalidade a levara. Desafixou os desenhos do teto e andou a perguntar pelo vilarejo se alguém reconhecia a mula dos rabiscos. Até bater a porta do Sr. Botelho, cujo apelido de Zoio herdado do pai muito o desagradava. Botelho afirmou ter visto o animal em trabalho de parto na noite anterior. Dona Zelma voltou correndo para o rancho a fim de irradiar o marido com a notícia, mas não o encontrou. Tomou emprestada a carroça de Zoio e iniciou a busca sem sucesso pelo marido.
 
Oito anos depois, Dona Zelma recebeu a visita de Zoio, que não justificou o motivo da aparição inesperada. Para um cronista desavisado, os assuntos que eles debatiam na mesa faziam pouco sentido. No entanto, eles pareciam falar a mesma língua. As risadas cessaram quando Zoio relembrou a noite em que Antônio Desenho dos Santos foi visto abraçado na beira da estrada a quatro bezerros desdentados. Ou não eram bezerros? O silêncio durou nove segundos, até que os dois caíram na gargalhada.


Ficha técnica
 
Monstros 8 x 5 Invictus – 2ª rodada do IX Chuteira de Bronze
 
Gols: Bruno Ferrari (4), Carlos Barbosa (3) e Desenho (M); Fuinha (3), Bispo e Brunão (I)
 
Cartões amarelo: Rafa Paz e Luiz Carlos (técnico) (M); Ragazzo e Brunão (I)
 
Cartão vermelho: Ragazzo (I)
 
MVPs: 1 – Bruno Ferrari (M); 2 – Fuinha (I); 3 – Carlos Barbosa (M)
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