A irmandade é sagrada até que se quebre. A partir daí, é dicotômica; geralmente odiosa – quando não, mortal. O acerto de contas adiado na última temporada, quando os dois caíram nas quartas, chegara. Era hora de pôr alguns pontos nos is.
 
O clima antes do jogo era de confraternização. Tudo entre amigos. Mais que amigos; irmãos. Roda da fraternidade, todo mundo abraçado. O paradoxo da prece: o melhor pra mim é o pior pra você.

Bate-papo pré-jogo:
           
- E aí, como foi o Carnaval? - perguntou Everton a Quim.
- Show.
- Muita mulher?
- Não, mais ou menos.
- Então, vamos pro jogo?
 
Sem jogo de cena, agora o bicho vai pegar.
 
- 1,2,3: Arouca!
 
Primeiro: Vitão fez falta em Balãotelli na intermediária.
           
- Não adianta que daqui não vai passar, meu amigo.
 
Jogada ensaiada: Del rolou, Heitor isolou. É só treinar, na próxima vez encaixa. Na sequência, Barata recuou com os pés e Maurício pegou com as mãos. Reclamação do Jrs.
 
- Não foi intencional, disse o juizão.
 
A disputa no meio era intensa. Pelas laterais estava difícil, marcação forte. Tanto daqui, quanto de lá. Falta toda hora. Mas aí pintou um escanteio cobrado por Gabigol na área amarela, Vitão apareceu para completar – só que o chute saiu fraco no canto direito, ainda assim quase enganou Mão, que teve de se esforçar pra desviar. No rebote, Marcos Bohn não aproveitou. Daí veio o contra-ataque. Balãotelli recebeu pelo alto na esquerda e fez o que sabe: soltar a bomba. A bola explodiu na rede, no canto esquerdo de Mauricio. Porém, o gol foi anulado. Pé alto na jogada. Reclamação sempre tem, né!
 
- Você tá louco? - resmungaram com o árbitro.
 
Gol anulado. Ponto. Os times se adiantaram, mas com cautela. As jogadas de ataque eram limitadas. Chances claras não houve. Na melhor delas, aos 12 minutos, Gabigol retomou a bola no meio e tocou para Netto chutar rasteiro – a bola cruzada saiu à esquerda. Sessenta e oito segundos depois, Veloz invadiu a área, driblou Mão, mas na hora de finalizar mijou – a zaga afastou e Bohn aproveitou: o chute cruzado de fora da área passou perto. Uhhhhhhhh!
 
Pressão dos dois lados. Chico e Heitor buscavam espaço. O primeiro no meio; o segundo na lateral direita. Por vezes, chegaram bem ao ataque – mas Vitão e Everton não deixaram por menos. Netto, Bohn e Gabigol estavam entrosados. A triangulação no meio deu canja. O último deixou com o primeiro, que acertou o travessão. Uhhhhhhhh! Olhos fechados, punhos cerrados. Quase.
                            
Caio de Souza levantou o braço e apontou o caminho. Será que é por ali mesmo? Mota acreditou. Recebeu do outro lado e armou a jogada. No entanto, a defesa Jrs também é foda. Não deu sopa para o azar e puxou o contra-ataque em profundidade com Dinho, que cruzou da direita. A bola atravessou a intermediária e sobrou pra Balãotelli, de canhota, chutar mascado e quase enganar Maurício. O arqueiro se esticou e espalmou com a mão direita.
 
Pega aqui. Morde ali. Falta de Netto em Del na esquerda.
 
- Ah, professor! Agora tudo é falta?
           
Desenrola esta bronca, maestro! Heitor pediu. Deixou Gabigol no vácuo e partiu para o ataque. Caio de Souza, de carrinho, parou a jogada na bola. Heitor levantou reclamando:
 
- Porra!
 
- Não foi nada, retrucou o árbitro. Vamos jogar!
 
No meio, Del deu uma trivela na gazela (foi bacana!) e deixou Pepe a três metros e meio do gol, mas diante de uma muralha branca. Parou ali. Final do primeiro tempo.
 
Everton acordou. E não foi com passarinhos. Arisco, sacudiu a potranca na esquerda com Veloz que, fora do ritmo, não fez porra nenhuma. Não neste lance, calma. Treze segundos depois ele rolou para Bohn. Agora vai? Não. Chute em cima da zaga. Quim na bronca:
 
- Vamos acertar esta porra, c*! - berrou do banco.
 
Tarde demais. Bohn tocou e recebeu de Veloz, entrou na área e não perdoou. Esses dois são foda! Tá lá dentro, meu amigo! Gol! Arouca: 1 x 0.
 
Meteu o desespero no Arouca Jrs? Não. Do banco, a instrução era manter a calma. Tinha tempo, dava pra virar. E o sol castigava.
 
Barata bateu no peito e ergueu o braço. Agora, sim. Aqui! Dois passos para trás. Felipinho viu que também poderia contribuir e deixou a arara na mesa. Leozinho pediu na direita, mas não viu o trator branco chegar.
 
- Puta que o pariu! O que foi isso?
 
Vitão. Atropelou. Mal, mas na bola. E o que dizer do Barata? É monstro. Roubou a bola na defesa, estufou as bochechas, não soltou o ar, e rumou ao ataque. Tocou para Gabigol na direita, mas Heitor travou. Amarelo. Gabigol era a caça. Ton tocou e o flaco recebeu o tranco de Quim. A advertência não foi só verbal. O capitão deixou o gramado remendado balançando a cabeça. Dezenove gotas de suor caíram. Os punhos não se abriram. A revolta era clara. Calma? Não. Foda-se ela.
 
Netto pediu pra bater. O chute foi rasteiro, debaixo da barreira. Mão segurou. Gabigol continuava perturbando. O hit do Carnaval. Ia para um lado, tentava o drible, recebia a falta. Insistia. Aos 15 minutos e 21 segundos, perfurou a defesa. Cortou dois beques e bateu cruzado. Mão pegou.
 
O tempo se esgotava e o Arouca Jrs... Eles reagiram. Chico viu uma brecha no meio. Cruzou da defesa nos pés de Armando, que cortou para a esquerda. Antes de arrematar, foi travado. Magri e Felipinho trocaram um lero pra ver quem iria bater, mas a verdade é que não resultou em nada.
 
Gothardo dividiu com Armando no meio e Quim esbravejou do banco. Partida acirrada. Cadê a camaradagem? É jogo, meu filho. Mais uma dividida. Dessa vez na área branca. França inovou: derrubou Balãotelli. Isso mesmo. O capitão Jr. explodiu:
 
- Pênalti, pênalti!
 
- Braços erguidos. Ninguém ouviu o apito.
 
Faltando dez minutos para o fim no relógio amarelo, três no dos árbitros e um e meio no do branco, já não importava tática. Que merda é essa? É coração, meu amigo. Assim é melhor.
 
Gabigol fez a sexta falta. Shoot out é com ele: Balãotelli. Onze passos em direção à amiga. Posicionou-a no limite dianteiro da marca da cal. Mão direita na cintura; esquerda nas luzes de pica-pau. Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
 
O árbitro mandou voltar. A zaga branca adiantou-se antes do apito. Seria um aviso?
           
Não, destino é o c*. Piiiiiiiiiiiiiii. Agora, sim. Canhão na bola. Dois toques, tentou driblar o goleiro e perdeu.
 
- Puta que o pariu! - revoltou-se os reservas do Jrs.
 
Outra falta; a sétima. Agora foi França. Mais uma chance. Agora vai?
 
Balão de novo. Menos passos, menos espera. A mesma jogada; o mesmo fim. Dessa vez sem blasfêmia. A derrota parecia inevitável. Armando tentou impedi-la. Fez boa jogada pelo meio, tirou um marcador e soltou o cacete. Maurício pegou. França e Barata pressionavam no meio, impedindo a armação de jogadas do Arouca Jrs.
 
- Sem falta, sem falta - gritava o técnico Galizé.
 
A melhor chance de empate viria no último lance da partida. Del recuperou a bola no meio e tocou para Felipinho na esquerda chutar rasteiro. A trave esquerda beliscou e a bola atravessou a área até a conclusão, de carrinho, de Armando – com Maurício já batido. Foi por pouco. Muito pouco. A bola saiu à direita. Fim de jogo.
 
Balãotelli falou sobre os shoot outs desperdiçados e explicou por que tentou driblar o goleiro ao invés de chutar. “É o instinto. No primeiro, nem vi o goleiro chegando (estava olhando para o chão). Já bati outros assim, não vejo o porquê de mudar.”
 
O duelo exaltou a virtude defensiva de ambas as equipes. O Arouca precisará dela, já que na próxima rodada encara o bicho-papão CAV. Já o Arouca Jrs., que apesar da derrota, teve mérito – e isso é bom que se diga – tentará a recuperação diante do Bacana, que também vem de derrota.
 
Ficha Técnica
 
Arouca 1 x 0 Arouca Jrs. – 1ª rodada do XVII Chuteira de Ouro
 
Gols: Marcos Bohn (A)
 
Cartões amarelo: Everton e Barata (A); Quim e Heitor (AJrs)
 
Cartões vermelho: Marcos Bohn (A); Heitor (AJrs)
 
MVPs: 1 – Vitão, 2 – Gabigol (A); 3 – Chico (AJrs)